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» Leitor novo? Recomendo iniciar pela 1ª temporada, capítulo (001).

(012)

Se a paixão é mesmo uma doença, como alguns cientistas embezerrados estão sempre tentando provar, deve ser difícil diagnosticar: as dores do estômago podem ser uma gastrite nervosa; o emagrecimento repentino pode indicar um quadro anêmico; o suor excessivo nas axilas talvez seja sintoma de hiperidrose; não pensar em mais nada vale como T.O.C.; batimentos acelerados podem ser encarados como taquicardia; o tremor nas mãos, Mal de Parkinson; e uma vez assisti um episódio de House explicando que euforia excessiva sugere que você passou muito tempo respirando o mesmo ar que um pacífico pombo. Como não há pombos na minha janela e o Dr. Google descartou todas as outras suspeitas, acho que estou mesmo apaixonado – embora eu preferisse estar enfermo pra valer.

Conto tudo, detalhadamente, ao meu amigo Marcus.

– Onde você está com a cabeça, cara? – ele está revoltado e mastigando um sanduíche de mortadela que preparei pra ele.

Acho que ainda não os apresentei, certo? Marcus é membro da minha tríade de amigos e sua profissão oficial é comer esposas, embora eu deva salientar que ele paga suas contas com um segundo trabalho, se não me engano, algo na área de tecnologia da informação ou qualquer porra assim. Não que ele não faça algum dinheiro divertindo a mulher alheia – ele está sempre vestido com alguma camisa social bacana da TNG ou Beagle ou similar –, mas é que o que ele realmente gosta de fazer ainda não foi reconhecido pelo Ministério do Trabalho. Marcus, na verdade, é uma espécie de fiel da balança na minha autoavaliação; quando estou com uma bigorna na consciência por tratar uma garota de forma vil, converso com ele. Marcus sempre é capaz de me acalmar, mostrando dialeticamente como um homem pode ser mil vezes mais misógino, podre e repugnante. Se eu sou, você sabe, apenas cínico a respeito do amor, Marcus é um amor-ateísta.

– Você só pode estar louco, cara. Louco. Louco! – ele fica repetindo isso, com a boca cheia de pão molhado.
– Mastiga isso direito, caramba.
– Vá se foder. Você não viu o que aconteceu com o Joel? Foi inventar de se meter com aquela maluca e agora só o encontramos nas passagens de ano. – Marcus está exagerando, mas entendo o que ele quer dizer.
– Sim, mas é diferente, eu acho.
– Não, não, não. Nada é diferente. Você não vê? Já está na fase da cegueira? Porque aí não tem mais volta...

Ele está terminando seu lanche e precisa voltar ao escritório, parece que têm uns softwares que eles precisam implantar até amanhã.

– Escuta: fica longe dessa garota, certo? Você sabe, é encrenca. Você me promete? Não quero perdê-lo. Me promete?

Eu o prometo, mesmo sem muita convicção, muito porque ele está segurando minha cabeça pelas orelhas, com ambas as mãos sujas de maionese. Só que carinhosamente, como um irmão mais velho.

– Ótimo. É isso aí. É isso aí. Lembre-se sempre, garotas não são confiáveis, garotas não são confiáveis – ele continua. Pelo jeito, esse é o lema da nossa amizade.

Ele larga uma nota de dez amassada no balcão e deixa o bistrô de marcha ré, gritando feito um retardado e apontando o dedo pra mim (“garotas não são confiáveis!, garotas não são confiáveis!”), como se fosse um evangelizador da sacanagem, o que não deixa de ser verdade – ele já dormiu com tantas esposas dos outros que merecia o Honoré de Balzac’s Awards, se eu apenas não tivesse acabado de inventar o prêmio.

Aí, todas as mulheres do recinto olham pra ele e, quando Marcus evapora pela porta, todas olham para com quem ele estava falando, e eu me sinto envergonhado e culpado por ter nascido com este pênis que tenho aqui guardado na braguilha o qual, aliás, costumo carregá-lo comigo a todos os lugares aonde vou. Ele faz parte de mim, ou eu faço parte dele, ainda não se sabe.

Em foro íntimo, juro a vocês que estou tentando não dar razão ao Marcus. Ele pode ser um babaca sabichão, mas a culpa não é totalmente dele: seus pais ainda são casados e são sarcásticos sobre de si mesmos, e do próprio estado civil; e mesmo dentro do casamento, a mãe de Marcus já registra mais parceiros sexuais que um camundongo australiano e o pai dele dá aulas sobre promiscuidade em alguma escola particular. E nenhum dos dois demonstra qualquer traço de constrangimento moral. Não é de se admirar que Marcus tenha sido treinado para fornicar.

O engraçado nisso tudo, se você está diposto a ver alguma graça, é que as pessoas que mais anseiam modificar seu status de relacionamento para “casado” ou “namorando” são os absolutamente mais desdenhosos a respeito dos que estão casados ou namorando alguém. É como a dança das cadeiras, enquanto alguns descansam, outros precisam ficar de pé. E mesmo os sentados, ou seja, os comprometidos – aqueles que deveriam ensinar o caminho do amor aos cínicos –, bem, esses não contêm um esgar de resignação no rosto quando perguntados sobre como andam as coisas em casa. Às vezes, eu acho que eles apenas têm preguiça de ser livres, talvez eles precisem de alguém por perto, que possa lhes alcançar um copo d'água se por acaso sentirem sede.

Aí, a coisa se espalha como a gripe espanhola e ficamos então assim, sem saber direito pra que lado ir, quem seguir, aos vinte e poucos anos tão românticos e amargurados quanto nossos pais. É tão ridículo assim alguém se apaixonar? Olha, baseado nos sintomas tradicionais que andei desenvolvendo nas últimas semanas, eu não usaria exatamente a palavra “ridículo”, a não ser que você ache todos os hospitalizados uns patéticos fingidos. Mas quando as coisas não rolam, quando não há qualquer sinal de correspondência, a sensação é mais ou menos um saco, como um resfriado mal curado. Você não consegue ir a lugar algum sem espirrar sua doença na cara dos outros. Não há antibióticos contra a paixão. E eu vou me arrepender de não ter escondido tudo do Marcus.