Eu não tinha nada pra fazer, então peguei aquela bigorna de dicionário que roubei da biblioteca no último ano de escola. Fui atrás de esperança, umedecendo os dedos a fim de deixar pra trás as páginas finas e amanteigadas com mais agilidade, e fui virando e lambendo, virando e lambendo, até sentir o gosto de pó velho e traças na minha língua e achar a maldita palavra. Minha expressão facial não descontraiu nada ao analisar os sinônimos. Espera, fé, ilusão, fantasia, sonho. Esperança, uma palavra tão bonita com significados tão nauseantes. E na prática, o modus operandi, de uma coisa dessas é assim. No primeiro dia você checa o telefone, a caixa de entrada, a campainha, todas essas coisas, a cada dois minutos. No dia seguinte, de cinco em cinco. Na terceira data, você passa a conferir tudo somente a cada meia-hora. Depois, vê que a campainha anunciar uma presença física era sonhar demais e desiste dela, porém continua ligando pra companhia telefônica pra saber se sua linha ainda está de pé. Uma semana depois e você está olhando seu e-mail apenas duas vezes ao dia, uma bem cedo e outra antes de deitar mentalmente cansado. Passado um mês inteiro e você se flagra que permaneceu todo esse tempo escorado na sua poltrona feito um pudim, lendo os jornais que escorregaram por baixo da porta por engano dos entregadores, assistindo a vídeos, bebendo cervejas e esperando a vida dar na mesma. A parte boa é que você se dá conta que sobreviveu, conseguiu se arrastar até o outro lado do pântano e nem foi tão difícil assim, algo impensável no início de tudo. E agora está pronto pra ir a qualquer lugar, sair com quem ainda quiser sair contigo.
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Se você também está tentando parar de fumar, aí vai um conselho grátis: não comece a largar o cigarro enquanto, ao mesmo tempo, espera uma ligação decisiva de alguém que você gosta. É impossível, e estou certo de que esta é – se não, deveria ser – uma das contra-indicações encontradas na bula dessas gomas de mascar terapêuticas: “Suspenda o uso do medicamento caso estiver aguardando um importante telefonema de ordem afetiva. Desse jeito não vai funcionar, cara”.
Minha relação com a nicotina baseia-se nos mesmos critérios da minha compatibilidade com Juliete. Me faz um mal danado, mas quando estou com eles – com unzinho entre os dedos ou na minha cama, com ela – tudo parece estar no lugar certo, estar funcionando bem. Você sabe, química-cerebralmente. Posso estar desviando um pouco do meu caráter e contrariando alguma campanha governamental na televisão, mas cigarro e adultério são ótimas invenções humanas (dependendo, claro, da sua perspectiva; estar do outro lado da fumaça ou ser a ponta do triângulo que não está rock n’ roll não deve ser nada bom). O caso é que essas duas coisas me fizeram bater à porta de questões filosóficas profundas que talvez eu não seria capaz encarar, se não fosse meu caso de amor com essa comprometida garota-tarja-preta e com meus maços de Lucky Strike caros pra burro.
Posso sentir você me julgando, mas tudo bem. O cigarro entre os dedos ou pendurado nos lábios murchos, o olhar perdido nas paredes amareladas pelas bolhas de fumaça que me perseguem pela casa, tudo isso contribui para minha lenda pessoal, faz de mim um lobo da estepe, me faz parecer bacana. Fumar é legal e vale a pena, e você sabe disso. Pergunte a qualquer um que já um passou por aquele troço de cateterismo.
Minha introdução a esses pequenos cilindros paradisíacos começou aos catorze para quinze, de forma bem clichê – eu precisava de autoafirmação, participar de algum grupo, gozar de uma liberdade que eu mal sabia que jamais teria, principalmente se me metesse com essa droga. Todos os meninos e meninas que se reuniam nas tardes de sábado na praça em frente ao arroio perto do colégio Assis Brasil roubavam cigarros de seus pais e ficavam baforando a cara uns dos outros, de cotovelos escorados ironicamente em algum brinquedo que nos embalava até alguns verões antes. Então, faz mais de uma década de uso praticamente contínuo, mas só fui me sentir um vencedor (como as propagandas vigentes na época me prometiam) esses tempos, ao quase pôr os bofes pra fora, por causa de dois lances de escada. Ou foi naquela noite em que perdi a ereção defronte à nudez meiga e encantadora da garota de cabelo parcialmente azul que trabalha na agência de Correios. Meus heróis morreram afogados numa banheira ou sufocados pelo próprio vômito enquanto dormiam bêbados, mas não broxaram com Cynthia Plaster Caster ou com Bebel Buell, até onde se sabe. Aí eu disse chega e estou tentando largar esse ótimo vício de merda. Se a desregulagem da minha jovem virilidade não vai me fazer parar, eu não sei o que vai.
Durante um período, testei aquele método, o de iniciar o vício cada dia uma hora mais tarde. Assim, em uns 12 dias eu iria me salvar dessa porra. E funcionou bem, eu acho, até começar ir dormir todo dia uma hora mais tarde. Foi então que tive essa ideia. Escadas. Ou seja, a terapia “Nunca mais fumar dentro do apartamento”. Para satisfazer minha dependência, eu precisaria fazê-lo lá fora, me obrigando a descer escadas, trancar portas, vestir casacos, aturar frios e eventuais assassinos. Parece idiota, mas pode ser que aconteça. Com cigarros e garotas, eu sou assim. Paro de fumar, fumando. Deixo de gostar, gostando.